quinta-feira, 17 de março de 2011

Homossexualidade: do Conceito ao Tratamento - Parte I

Há duas décadas, o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo não é mais, por si só, considerado doença pela Associação Psiquiátrica Americana (1980). O comportamento homossexual, portanto, assim como o heterossexual são, cada vez mais, referidos como orientações diferentes de um abrangente espectro do comportamento sexual humano, orientações estas cujas origens necessitam ser determinadas e compreendidas, não se presumindo qualquer delas como mais ou menos “natural” que a outra.

Aspectos históricos
A homossexualidade existe desde os primórdios da história da humanidade, ainda que em nenhuma época, sociedade ou cultura tenha sido a prática sexual predominante.
A reação a esse tipo de orientação sexual variou desta a condenação à morte em fogueira, à aplicação de penalidades (prisão perpétua, tortura, castração) e até mesmo aceitação sem reservas (pela elite dominante).
A homossexualidade era praticada pelos romanos, desde o início desta civilização. Não é consenso, entretanto, entre os estudiosos do assunto, que os gregos incentivassem a relação de um homem mais velho (e sábio) com um jovem. Por outro lado, essa tendência parece ter influenciado romanos e persas e se contraposto à cultura judaica que valorizou a heterossexualidade, por sua função procriadora. A posição judaica transmitiu-se aos cristãos, os quais valorizavam, acima de qualquer tipo de prática sexual, a manutenção da castidade.

Conceitos e Freqüências
A teoria mais influenciada na Psiquiatria do século XX defendeu que a homossexualidade é a expressa de uma tendência universal do ser humano, decorrente de uma predisposição bissexual, biologicamente determinada. Freud, bastante influenciado pelas idéias de Darwin, acreditava que os seres humanos atravessam , inevitavelmente, uma fase homoerótica, nos processo para e heterossexualidade. Certas experiências, no entanto, poderiam interromper este processo e manter o indivíduo “fixado” a um padrão homossexual, Por outro lado, se o desenvolvimento se desse naturalmente, vestígios da homossexualidade perdurariam e se refletiriam em expressões “sublimadas de amizade por pessoa do mesmo sexo e em padrões de conduta e interesse próprios do sexo oposto. Como exemplo: interesses culinários ou atitudes “passivas” em homens; interesses atléticos ou atitudes “agressivas” em mulheres (MARMOR, 1973).
Hoje sabemos que conduta homossexual, inclusive contato físico, entre púberes ou adolescentes, por um período transitório, é mais comum do que se imaginava: passam por essa experiência cerca de 30% dos indivíduos, dois terços dos quais se torna heterossexual, na vida adulta.
O total reconhecimento da orientação homossexual só ocorre, para a maioria dos casos, no final da adolescência ou no início da vida adulta. Muitas experiências com parceiros do mesmo sexo, no início da adolescência, têm unicamente caráter exploratório, faltando-lhes o componente afetivo (KAPLAN & SADOCK, 1984).

Determinantes da Orientação Sexual
Apesar do progresso das neurociências, nosso conhecimento sobre as determinantes da orientação sexual humana continua insuficiente.
Não há nenhum elenco de fatores, até o momento, que explique completamente todos os padrões homossexuais. Pode-se dizer, entretanto, que, conforme já salientamos, as coisas da homossexualidade não estão determinadas ainda. Fatores constitucionais, relacionados à estimulação e à programação hormonal do cérebro na vida fetal, parecem ser elementos importantes. Acreditam alguns que o uso do estrógeno pelas gestantes pode aumentar a incidência de nascimento de homens homossexuais.
Há trabalhos sugestivos de que o nível de andrógeno circulante no sangue fetal é o responsável pelo comportamento sexual do adulto. Assim, fetos do sexo masculino com baixos níveis de andrógeno, bem como fetos femininos com elevados níveis deste hormônio, teriam maior tendência à homossexualidade. Contudo, até o momento, isto não foi comprovado.
Pesquisas recentes indicam que os genes influem na diferenciação sexual do cérebro e no modo de interação do indivíduo com o meio, reproduzindo as mais diferentes respostas aos estímulos sexuais. Por outro lado, verificou-se (LEVAY & HAMER, 1994) que um grupo de células do terceiro núcleo intersticial do hipotálamo anterior, na região pré-óptica medial, chamado de 3NIHA, é três vezes maior no homem que na mulher, sendo, também, maior em homem hetero que em homossexuais. Esse volume é praticamente o mesmo entre homens homossexuais e mulheres em geral.

Desenvolvimento da Sexualidade
Quanto mais inferior uma animal na escala evolutiva, mais sofisticados os seus padrões instintivos herdados e menos influenciáveis pelo ambiente. Conforme se ascende na escala evolutiva, esses padrões se tornam menos complexos e mais modificáveis pela ação ambiental. Nos seres humanos, esse desenvolvimento é máximo: nascemos não com padrões instintivos de adaptação complexos, mas com impulsos biológicos básicos cuja direção e objetos aos quais vão de desligar variam de acordo com a aprendizagem. É exatamente isso que possibilita aos seres humanos a incomparável capacidade de adaptação (MARMOR, 1942).
Nesse sentido, a sexualidade do ser humano inicia seu desenvolvimento a partir da concepção e o continua até o final da adolescência pelo menos. Por envolver aspectos somáticos, psicológicos e socioculturais, a seqüência deste desenvolvimento, na verdade, se prolonga às idades adulta e senil.
Podemos dividir o desenvolvimento sexual em duas partes que se estabelecem simultânea ou sequencialmente, ao longo da vida:
  • Desenvolvimento sexual somático e
  • Desenvolvimento sexual psicológico.

Desenvolvimento sexual somático
Implica na interação de elementos genéticos, hormonais e neurológicos, para a determinação do sexo anatômico (e consequentemente jurídico) do indivíduo, o que constitui a identidade sexual.
Uma vez determinado o par cromossômico sexual (XX, XY ou variações), é ele que vai estabelecer o desenvolvimento gônada, se feminino ou masculino, respectivamente.
Ao nascer, portanto, a criança já possui aparelho sexual, seja ele masculino ou feminino, formado anatômica e funcionalmente. A maturação dos eixos hormonais e neurológicos, e responsáveis por mudanças anatômicas e fisiológicas, é lenta, do nascimento à puberdade.
Na puberdade, sob influência desses eixos, as gônadas amadurecem e constituem-se as características sexuais secundárias que determinarão, do ponto de vista somático, o término da definição sexual.

Desenvolvimento Sexual Psicológico
Constituída a base anatômica do sexo, desencadeia-se a definição sexual, do ponto de vista psicológico, isto é, a identidade de gênero, sendo que o indivíduo tem de sua masculinidade ou feminilidade (KAPLAN & SADOCK, 1990).
Essa identidade forma-se a partir das características anatômicas do indivíduo e das expectativas familiares e sociais. Esta é a maior matriz somático-familiar, na qual se inicia o processo de diferenciação e a definição sexual.
A influência cultural manifesta-se por intermédio das expectativas familiares em relação à orientação sexual da criança. Tais expectativas se fazem presentes durante toda a infância contribuindo para o desenvolvimento do papel sexual (de homem ou de mulher).

Fonte:

Abdo CHN. Sexualidade Humana e seus transtornos. 2ª ed rev amp. São Paulo: Lemos Editorial;167-171, 175-176; 2001.


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