sábado, 15 de janeiro de 2011

Masturbação

 Na antiguidade, a masturbação era considerada uma forma aceita de obter prazer, embora os greco-romanos a desestimulassem até a idade de 21 anos. No Egito, a religião descrevia a criação do mundo pela masturbação do deus Atum, e muitas mulheres eram enterradas mumificadas com os objetos fálicos que se masturbavam.
Entretanto, a condenação bíblica à masturbação perdurou por milênios. A lei religiosa judaica impunha que os homens fossem produtivos e se multiplicassem. Portanto, o coitus interruptus não era admitido como técnica contraceptiva e o termo onanismo que lhe foi atribuído ficou associado também ao prazer solitário. Pelo costume antigo dos judeus, quando uma mulher contraía matrimônio, estava casada com o marido e com toda a família dele. Ela havia sido comprada e paga. Se ela não tivesse lhe dado filhos, o marido ao morrer desaparecia como se jamais tivesse vivido. O casamento por levirato era a solução. Se um irmão mais velho morria sem deixar herdeiro, cabia ao irmão mais novo a responsabilidade de tomar a viúva como esposa e criar o primeiro filho nascido de ambos como um filho legítimo do morto. No Gênese (38:6-10) vemos a rebeldia de Onan: “Judá tomou para seu primogênito Er uma mulher, a qual se chamava Tamar. Ora, Er o primogênito de Judá, era um homem maus aos olhos do Senhor, assim, o Senhor o matou. Disse Judá a Onan: ‘Vai até a mulher do seu irmão, toma-a e dá sucessão a teu irmão!’ Onan, sabendo que essa posteridade não seria sua, sempre que se unia á mulher de seu irmão deixava cair o sêmen no chão para que não desse sucessão a seu irmão. O que ela fazia era mau aos olhos do Senhor, que matou também a ele.”
A masturbação foi, então, punida, com a morte. Não é de se estranhar que durante muito tempo que se acreditou que a masturbação causava ataques epiléticos, loucura, reumatismo, impotência, acne, asma, idiotice, cegueira e até crescimento de pêlos nas palmas das mãos. Muitos adolescentes hoje não têm a certeza de que não sofrerão nenhum tipo de prejuízo pela atividade masturbatória, já que a idéia de pecado ainda está presente provocando culpa e medo.
Na Idade média, a ejaculação do homem só devia ocorrer com a finalidade de procriação, e na Inquisição o acusado de masturbação era considerado herege, podendo ser condenado à morte na fogueira. Para os padres dessa época, a masturbação era produto do demônio.
A partir do período entre as duas guerras, provavelmente sob a influência das teorias de Freud sobre a sexualidade infantil, alguns militam em favor da educação sexual e estabelece-se um consenso em considerar a masturbação normal durante a infância e a adolescência. Com o crescimento da sexologia, a masturbação torna-se um hábito desejável para os jovens. Os adolescentes que não conheceram essa etapa para o amadurecimento que, é a masturbação, quando chegam a idade adulta passam por muito mais dificuldades que os outros. A medida dessa evolução é indicada pela revista Vital, que afirma; “os biólogos se esforçam em descobrir as leis do prazer sexual (...). Seja por corpúsculos da voluptuosidade das zonas erógenas primárias ou pelas morfinas fabricadas pelo cérebro, está provado que o prazer não é um pecado na civilização, mas uma realidade inscrita no corpo”. Jean –Rene vê na masturbação uma tripla função: fisiológica, compensatória e lúdica, resumindo assim a opinião comum dos sexólogos.
A masturbação na infância é importante, já que equivale à auto-exploração do corpo, mas muitos não aceitam isso com neutralidade. O peso de tantos anos da masturbação associada ao pecado e à doença leva muitos pais -  até os que se consideram livres de preconceitos – a se sentirem incomodados quando os filhos manipulam seus próprios órgãos sexuais, e geralmente procuram desviar a atenção da criança para outros interesses, o que de qualquer maneira deixa nela o registro de que essas atividades não é bem aceita.
Na puberdade, o desejo sexual é muito intenso tanto no menino quanto na menina. Como existe mais permissividade para toda expressão sexual masculina, a masturbação do menino é bem mais aceita do que a da menina. Em um estudo sobre a sexualidade adolescente feito em 1981, 80% dos meninos e 59% das meninas de 18 anos afirmaram se masturbar; em razão disso, algumas mães exigiam que suas filhas dormissem com os braços para fora das cobertas para evitar a masturbação. Entretanto, a masturbação na adolescência é vista pelos sexólogos como uma prática fundamental pela satisfação sexual na vida adulta, por permitir um auto conhecimento do corpo, do prazer e das emoções. “As adolescentes femininas que se iniciam na masturbação também apresentam o orgasmo clitoridiano, sendo isso um sinal de evolução sexual sadia. Mulheres multi orgásticas investigadas na nossa clínica normalmente iniciavam a masturbação antes do casamento e durante a adolescência.
Mas muitas mulheres se sentem envergonhadas e culpadas devido a uma educação que lhes ensina que o interesse e o desejo sexual pertencem ao sexo masculino. Ao não conseguirem controlar seus próprios desejos, muitas se sentem indignas, imaginando que só elas se masturbam, e não contam nem para a melhor amiga. As mulheres que conseguem romper com esses tabus muitas vezes utilizam variados objetos para se masturbar, estimulando a vulva ou a vagina. São vibradores, pênis artificiais, bolas ben-wa e outros, vendidos em sex-shops, além do cabo da escova de cabelo, ou mesmo legumes e outros objetos macios.
Barry Mc Carthy afirma em seu livro sobre a sexualidade masculina que, devido às advertências que todos recebem desde crianças e devido à reputação que a masturbação tem de pobre substituto das relações sexuais, a maioria das pessoas se sente culpada quando se masturba. Contudo, isso não impede que todos se masturbem. A prova é que 95% dos homens, incluindo os casados, masturbam-se. Mas a culpa impede que se desfrute o máximo, não permitindo que a masturbação seja a experiência libertadora e satisfatória que ela pode ser. Há uma insistência em afirmar que essa prática tem uma única finalidade: aliviar a tensão acumulada. Então, o ato é feito ás pressas. Quase ninguém se concede a oportunidade de perceber que a masturbação, longe de ser vergonhosa necessidade, é na verdade uma das melhores maneiras possíveis de se aprender sobre as próprias reações sexuais e de se aumentar a sensibilidade à estimulação sexual. Por essa razão, ele recomenda uma masturbação lenta, sensual e envolvendo o corpo todo.
Na terapia do sexo para o tratamento das disfunções orgásticas, a masturbação é o elemento principal para capacitar a mulher  a ter o primeiro orgasmo. A instrução de que a mulher se masturbe quase sempre gera ansiedade nas pacientes que aprenderam a considerar a masturbação algo perigoso e vergonhoso. A psicoterapia paralela se propõe tratar desses preconceitos, enquanto ela é aconselhada, em condições de muita segurança, a emprenhar-se nessa atividade. Sugere-se, por exemplo, que ela se masturbe manualmente, mas se a princípio, a paciente deve masturbar-se manualmente, mas se a estimulação assim produzida não for suficientemente intensa para ter orgasmo, é aconselhada a usar um vibrador.
Em seu estudo sobre a sexualidade feminina, Shere Hite constata que a masturbação tem aspectos favoráveis – orgasmos fáceis e intensos, fonte inesgotável de prazer – mas, infelizmente, todos sofremos alguma influência de uma cultura que nos diz que as pessoas não devem se masturbar. Atualmente, tornou-se aceitável que as mulheres tenham prazer no sexo, desde que preencham seus papéis femininos – dando prazer aos homens e nunca tendo prazer sozinhas. Hite acredita que talvez no futuro as mulheres possam ter o direito de ter prazer na masturbação também, como declarou uma de suas entrevistadas: “A importância da masturbação é que se masturbando você se ama e cuida de si mesma totalmente, numa forma natural de relacionamento com seu próprio corpo. È uma atividade normal que deveria logicamente fazer parte da vida de qualquer mulher.”
No estudo de Hite sobre a sexualidade masculina, em que, foram entrevistados 7239 homens entre 13 e 97 anos de idade, 99% declararam que se masturbando, sendo que quase todos, casados ou solteiros, tendo ou não uma vida sexual ativa, disseram que a masturbação era algi constante em suas vidas. Mas a maioria se sente culpada e incerta sobre a masturbação, ao mesmo tempo que gosta imensamente -  muitos têm seus orgasmos mais fortes, fisicamente, durante a masturbação. Os homens se sentem mais livres para se estimular da maneira que gostam e quase nenhum conta a outras pessoas que faz isso. Muitos homens, declaram que os orgasmos durante a masturbação eram fisicamente mais intensos, já que não havia pressões de desempenho, e eles tinham liberdade de se dar exatamente a estimulação adequada.
Hite conclui que a masturbação é uma atividade sexual muito importante e válida. Os homens falaram dela com entusiasmo e descreveram os intensos orgasmos experimentados. Com a masturbação, eles conseguem a estimulação que geralmente não obtêm de outra pessoa, como a anal, nos testículos e, talvez, também uma estimulação emocional ou psicológica. Na medida em que aos homens só é permitido um papel na relação, as fantasias criadas na masturbação podem ser uma maneira de desfrutar outro papel, a parte que falta. Ser completamente passivo.

Fonte:

Lins, R. N. A Cama na Varanda: arejando novas idéias a respeito de amor e sexo.Novas tendências.ed rev e ampliada.Rio de Janeiro:BestSeller, 2007;360-368.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Tabus e Crendices Sexuais

O conceito de tabu encerra duas noções fundamentais: a idéia do proibido e a sanção para o transgressor.
As restrições do tabu são muito diferentes das proibições religiosas, uma vez que não emenam de um ensinamento divino. Elas mantêm algumas relações com crenças mágicas primitivas, mas proíbem por si mesmas.
Entre os tabus, é interessante observar os do tipo “faz mal” (faz mal ter relações durante a menstruação”; faz mal ter relações durante a gravidez”, etc). Ninguém explica cientificamente por que “faz mal”.
A mesma racionalidade se observa nas crendices e superstições. São crenças populares absolutamente sem fundamento, algumas até ridículas, mas que se sustentam e se transmitem pela força do “todo mundo sabe” ou “todo mundo acredita”. Alimentadas pela irracionalidade terminam por se transformar em certezas.
Uma característica interessante é que a crendice nunca é fato isolado, mas está inserida em uma verdadeira malha na qual várias crendices menores se alimentam, ao mesmo tempo que são retroalimentadas pelas próprias superstições secundárias a que deram origem.
O observador atento constata que muitas crendices giram em torno de um pressuposto cultural nuclear. Um desses núcleos é a identificação do sexo com a reprodução, isto é, o reconhecimento de que a atividade sexual só é pertinente se estiver a serviço da procriação. Essa reprodução cultural, revigorada pela tradição judaico-cristã teve sua origem em crenças bastante primitivas.
Em certas civilizações muito antigas, sobretudo em povos agrários, a identificação do sexo com a reprodução era um fator importante para a própria sobrevivência do grupo. A atividade sexual representava não só a esperanças de novos membros para a lavoura, como também de novos defensores da terra contra a agressão das tribos vizinhas. O sexo era, portanto, o caminho para o poder e para a força do grupo. O sêmen (semente) era precioso tesouro que não podia ser desperdiçado. Entende-se assim por que a masturbação era considerada detestável pelos povos agrários, sujeitas a todos os tipos de sanções, inclusive reforçada pelas crendices condenatórias, muitas das quais sobrevivem até nossos dias.
Relacionada com a identificação entre sexo e reprodução está a deificação do pênis como símbolo da fertilidade.
Nos povos antigos havia um verdadeiro culto fálico. Representações penianas eram usadas pelas mulheres como talismã protetores contra a esterilidade e veneradas pelos agricultores como propiciadoras de boas colheitas.
Descobertas arqueológicas têm evidenciado que eram comuns, nas civilizações antigas, representações de homens com falos eretos. Na Grécia, essas reminiscências culturais se evidenciaram com criatividade.
A crendice do pênis como símbolo de força e poder impregnou o pensamento moderno. Esse suporte mítico é uma das fontes em que se alimenta a pretensa superioridade masculina.
Muita gente acredita que o tamanho dos órgãos sexuais é fundamental para o êxito erótico para as pessoas. Embora a crença mítica tenha se fixado mais no homem do que na mulher, ela também se generalizou entre o sexo feminino em comentários do tipo: “mulher sexy tem peitos grandes”, “quanto maior o clitóris, maior a responsividade sexual”, etc.
No homem a crendice se evidencia de modo dramático, deixando claro que o indivíduo é tanto mais “macho”quanto maior for seu órgão genital: “as pessoas que têm pênis bem dotados são muito mais capazes de satisfazer sexualmente suas parceiras”. Procura-se correlacionar o tamanho do pênis comas dimensões  de outros segmentos do corpo,  em particular o pé e o nariz.
Vale esclarecer que nada tem a ver com o tamanho do pênis flácido com suas dimensões em ereção. Pênis eretos de proporções semelhantes podem, em estado de flacidez, possuir tamanhos diferentes. Não se pode diagnosticar as dimensões do falo sem antes vê-lo em ereção, o que nem sempre é desejável em ambiente de consultório.
Vivenciando todas essas crendices, um indivíduo com pênis pequeno se evidentemente considera menos viril. A constatação da sua “inferioridade” física o aprisiona numa constrangedora e vergonhosa situação que o leva a evitar relações sexuais, quando determina disfunções eréteis. Atualmente, afirma-se com muita graça que não é aquilo que o homem tem lhe atribui importância, mas o que ele faz de importante com aquilo que tem”.
O papel terapêutico do esclarecimento é o melhor remédio, embora quem está preso nas malhas do ilógico, nem sempre seja receptivo para a aceitação do pensamento científico.
É muito comum observar homens, alguns inclusive de indesejável posição intelectual, que, aprisionados a crenças supersticiosas, enchem de frustrações e derrotas sua vida sexual.
Embora o culto às dimensões genitais seja prerrogativa de algumas pessoas, sabe-se que, em geral, os pênis mais longos não são os mais desejáveis pela maioria das mulheres.
No intróito vaginal e, sobretudo, na região clitoridiana, existe grande quantidade de terminações nervosas sensitivas captadoras do estímulo mecânico e capazes de eliciar o reflexo orgásmico. Nesse sentido, não é o comprimento de pênis o que importa; aliás, quando excessivamente longo, pode forçar dolorosamente os fundos de sacos vaginais, sobretudo em portadoras de retroversões uterinas. Os conhecimentos da anatomofisiologia sexual demonstram que a vagina é capaz de se adaptar a qualquer dimensão peniana e que o atrito no clitóris e no intróito vaginal propicia mais prazer. A intromissão do pênis, seja qual for seu tamanho, provoca distensão das ninfas e, consequentemente, do capuz clitoridiano, que é repuxado para baixo.
A movimentação rítmica da pelve, deslocando as ninfas lateralmente sobre o corpo de glande clitoridiana, promove o atrito excitante. Se fosse necessário valorizar as dimensões genitais. Diríamos que o pênis mais grosso, e não os mais longos, produzem os melhores efeitos mecânicos.
A identificação da sexualidade com a reprodução originou também outras crendices secundárias. Uma delas é a de que “mulher grávida não tem desejo sexual”. Trata-se de uma generalização similar à afirmação de que a “esterilização diminui a apetência dos homens e mulheres” ou à de que “cada indivíduo tem reservado para si uma quota de experiências sexuais que, ultrapassada, faz com que a possibilidade de procriar, a existência da sexualidade nesses indivíduos é considerada anormal e fantástica.
Partindo da importância fálica, há também uma enorme variedade de crendices, como a de que “a mulher não possui as mesmas necessidades sexuais do homem” ou sua variante explicitamente machista: “um homem não se satisfaz com uma só parceira”. Essa superstição encontra respaldo, em parte, no fato de que o homem tem seu desejo claramente evidenciado pela ereção, e em parte pela “prova” analógica de que, entre os animais, as fêmeas só aceitam relações em épocas apropriadas, enquanto o macho pode tê-las a qualquer tempo.A analogia é infeliz. A sexualidade do homem  é essencialmente cultural e muitas das características apontadas como “inatas” à condição feminina são produtos culturais da história da humanidade.
Depois dos trabalhos pioneiros de Masters e Johnson, demonstrou-se que os homens e mulheres possuem as mesmas potencialidade responsivas e que fisiologicamente a ausência do período refratário na resposta sexual feminina confere até certa vantagem às mulheres, aumentado-lhes a possibilidade repetitiva de atos sexuais sucessivos, o que ocorre com os homens.
É interessante observar como as crendices procuram um caminho a sobrevivência quando se vêem ameaçadas. Isso pode ser exemplificado pelos diferentes desdobramentos do duplo padrão sexual tradicional que, na tentativa de se revigorar, se transmuda em novas crendices.
Assim, por exemplo, alguns homens, partem da concepção de que, tendo a mulher conquistado sua liberdade sexual, ela deverá estar sempre pronta e apetente para qualquer parceiro. É uma forma velada de sobrevida da mítica “superioridade” do homem: em lugar de servir a um senhor só, ela deverá estar disponível a servir muitos.
Aliás, dos movimentos de emancipação da mulher nasceram várias crendices modernas. Uma é a de que é necessário ter sempre “orgasmos simultâneos”. A mutualidade, embora desejável, não é norma. O comum é que em nada torna o ato sexual insípido ou imperfeito, desde que o encontro erótico propicie a realização mútua.
O orgasmo feminino tem sido a principal fonte de superstições sexuais modernas. A afirmativa de que as mulheres podem ter orgasmos sucessivos, perfeitamente demonstrada pelo casal Masters e  Johnson, tem gerado uma busca compulsiva do reflexo orgásmico múltiplo, o que leva a surpimi-lo por completo. Confunde-se potencialidades com necessidades. É importante fixar que o orgasmo é sempre desejável, mas é o prêmio de quem de entrega  ao prazer de gozar o momento sexual sem ansiedades, cobranças ou expectativas. Um ato sexual pode ser muito mais gratificando, embora não necessariamente orgásmico, se cada uma dos parceiros estiver comprometidos em se entregar ao carinhoso enlevo da maior forma de comunicação humana.

Fonte:

Cavalcanti R, Cavalcanti M. Tratamento da Inadequações Sexuais. 3.ed. São Paulo:Roca, 2006.