sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Tabus e Crendices Sexuais

O conceito de tabu encerra duas noções fundamentais: a idéia do proibido e a sanção para o transgressor.
As restrições do tabu são muito diferentes das proibições religiosas, uma vez que não emenam de um ensinamento divino. Elas mantêm algumas relações com crenças mágicas primitivas, mas proíbem por si mesmas.
Entre os tabus, é interessante observar os do tipo “faz mal” (faz mal ter relações durante a menstruação”; faz mal ter relações durante a gravidez”, etc). Ninguém explica cientificamente por que “faz mal”.
A mesma racionalidade se observa nas crendices e superstições. São crenças populares absolutamente sem fundamento, algumas até ridículas, mas que se sustentam e se transmitem pela força do “todo mundo sabe” ou “todo mundo acredita”. Alimentadas pela irracionalidade terminam por se transformar em certezas.
Uma característica interessante é que a crendice nunca é fato isolado, mas está inserida em uma verdadeira malha na qual várias crendices menores se alimentam, ao mesmo tempo que são retroalimentadas pelas próprias superstições secundárias a que deram origem.
O observador atento constata que muitas crendices giram em torno de um pressuposto cultural nuclear. Um desses núcleos é a identificação do sexo com a reprodução, isto é, o reconhecimento de que a atividade sexual só é pertinente se estiver a serviço da procriação. Essa reprodução cultural, revigorada pela tradição judaico-cristã teve sua origem em crenças bastante primitivas.
Em certas civilizações muito antigas, sobretudo em povos agrários, a identificação do sexo com a reprodução era um fator importante para a própria sobrevivência do grupo. A atividade sexual representava não só a esperanças de novos membros para a lavoura, como também de novos defensores da terra contra a agressão das tribos vizinhas. O sexo era, portanto, o caminho para o poder e para a força do grupo. O sêmen (semente) era precioso tesouro que não podia ser desperdiçado. Entende-se assim por que a masturbação era considerada detestável pelos povos agrários, sujeitas a todos os tipos de sanções, inclusive reforçada pelas crendices condenatórias, muitas das quais sobrevivem até nossos dias.
Relacionada com a identificação entre sexo e reprodução está a deificação do pênis como símbolo da fertilidade.
Nos povos antigos havia um verdadeiro culto fálico. Representações penianas eram usadas pelas mulheres como talismã protetores contra a esterilidade e veneradas pelos agricultores como propiciadoras de boas colheitas.
Descobertas arqueológicas têm evidenciado que eram comuns, nas civilizações antigas, representações de homens com falos eretos. Na Grécia, essas reminiscências culturais se evidenciaram com criatividade.
A crendice do pênis como símbolo de força e poder impregnou o pensamento moderno. Esse suporte mítico é uma das fontes em que se alimenta a pretensa superioridade masculina.
Muita gente acredita que o tamanho dos órgãos sexuais é fundamental para o êxito erótico para as pessoas. Embora a crença mítica tenha se fixado mais no homem do que na mulher, ela também se generalizou entre o sexo feminino em comentários do tipo: “mulher sexy tem peitos grandes”, “quanto maior o clitóris, maior a responsividade sexual”, etc.
No homem a crendice se evidencia de modo dramático, deixando claro que o indivíduo é tanto mais “macho”quanto maior for seu órgão genital: “as pessoas que têm pênis bem dotados são muito mais capazes de satisfazer sexualmente suas parceiras”. Procura-se correlacionar o tamanho do pênis comas dimensões  de outros segmentos do corpo,  em particular o pé e o nariz.
Vale esclarecer que nada tem a ver com o tamanho do pênis flácido com suas dimensões em ereção. Pênis eretos de proporções semelhantes podem, em estado de flacidez, possuir tamanhos diferentes. Não se pode diagnosticar as dimensões do falo sem antes vê-lo em ereção, o que nem sempre é desejável em ambiente de consultório.
Vivenciando todas essas crendices, um indivíduo com pênis pequeno se evidentemente considera menos viril. A constatação da sua “inferioridade” física o aprisiona numa constrangedora e vergonhosa situação que o leva a evitar relações sexuais, quando determina disfunções eréteis. Atualmente, afirma-se com muita graça que não é aquilo que o homem tem lhe atribui importância, mas o que ele faz de importante com aquilo que tem”.
O papel terapêutico do esclarecimento é o melhor remédio, embora quem está preso nas malhas do ilógico, nem sempre seja receptivo para a aceitação do pensamento científico.
É muito comum observar homens, alguns inclusive de indesejável posição intelectual, que, aprisionados a crenças supersticiosas, enchem de frustrações e derrotas sua vida sexual.
Embora o culto às dimensões genitais seja prerrogativa de algumas pessoas, sabe-se que, em geral, os pênis mais longos não são os mais desejáveis pela maioria das mulheres.
No intróito vaginal e, sobretudo, na região clitoridiana, existe grande quantidade de terminações nervosas sensitivas captadoras do estímulo mecânico e capazes de eliciar o reflexo orgásmico. Nesse sentido, não é o comprimento de pênis o que importa; aliás, quando excessivamente longo, pode forçar dolorosamente os fundos de sacos vaginais, sobretudo em portadoras de retroversões uterinas. Os conhecimentos da anatomofisiologia sexual demonstram que a vagina é capaz de se adaptar a qualquer dimensão peniana e que o atrito no clitóris e no intróito vaginal propicia mais prazer. A intromissão do pênis, seja qual for seu tamanho, provoca distensão das ninfas e, consequentemente, do capuz clitoridiano, que é repuxado para baixo.
A movimentação rítmica da pelve, deslocando as ninfas lateralmente sobre o corpo de glande clitoridiana, promove o atrito excitante. Se fosse necessário valorizar as dimensões genitais. Diríamos que o pênis mais grosso, e não os mais longos, produzem os melhores efeitos mecânicos.
A identificação da sexualidade com a reprodução originou também outras crendices secundárias. Uma delas é a de que “mulher grávida não tem desejo sexual”. Trata-se de uma generalização similar à afirmação de que a “esterilização diminui a apetência dos homens e mulheres” ou à de que “cada indivíduo tem reservado para si uma quota de experiências sexuais que, ultrapassada, faz com que a possibilidade de procriar, a existência da sexualidade nesses indivíduos é considerada anormal e fantástica.
Partindo da importância fálica, há também uma enorme variedade de crendices, como a de que “a mulher não possui as mesmas necessidades sexuais do homem” ou sua variante explicitamente machista: “um homem não se satisfaz com uma só parceira”. Essa superstição encontra respaldo, em parte, no fato de que o homem tem seu desejo claramente evidenciado pela ereção, e em parte pela “prova” analógica de que, entre os animais, as fêmeas só aceitam relações em épocas apropriadas, enquanto o macho pode tê-las a qualquer tempo.A analogia é infeliz. A sexualidade do homem  é essencialmente cultural e muitas das características apontadas como “inatas” à condição feminina são produtos culturais da história da humanidade.
Depois dos trabalhos pioneiros de Masters e Johnson, demonstrou-se que os homens e mulheres possuem as mesmas potencialidade responsivas e que fisiologicamente a ausência do período refratário na resposta sexual feminina confere até certa vantagem às mulheres, aumentado-lhes a possibilidade repetitiva de atos sexuais sucessivos, o que ocorre com os homens.
É interessante observar como as crendices procuram um caminho a sobrevivência quando se vêem ameaçadas. Isso pode ser exemplificado pelos diferentes desdobramentos do duplo padrão sexual tradicional que, na tentativa de se revigorar, se transmuda em novas crendices.
Assim, por exemplo, alguns homens, partem da concepção de que, tendo a mulher conquistado sua liberdade sexual, ela deverá estar sempre pronta e apetente para qualquer parceiro. É uma forma velada de sobrevida da mítica “superioridade” do homem: em lugar de servir a um senhor só, ela deverá estar disponível a servir muitos.
Aliás, dos movimentos de emancipação da mulher nasceram várias crendices modernas. Uma é a de que é necessário ter sempre “orgasmos simultâneos”. A mutualidade, embora desejável, não é norma. O comum é que em nada torna o ato sexual insípido ou imperfeito, desde que o encontro erótico propicie a realização mútua.
O orgasmo feminino tem sido a principal fonte de superstições sexuais modernas. A afirmativa de que as mulheres podem ter orgasmos sucessivos, perfeitamente demonstrada pelo casal Masters e  Johnson, tem gerado uma busca compulsiva do reflexo orgásmico múltiplo, o que leva a surpimi-lo por completo. Confunde-se potencialidades com necessidades. É importante fixar que o orgasmo é sempre desejável, mas é o prêmio de quem de entrega  ao prazer de gozar o momento sexual sem ansiedades, cobranças ou expectativas. Um ato sexual pode ser muito mais gratificando, embora não necessariamente orgásmico, se cada uma dos parceiros estiver comprometidos em se entregar ao carinhoso enlevo da maior forma de comunicação humana.

Fonte:

Cavalcanti R, Cavalcanti M. Tratamento da Inadequações Sexuais. 3.ed. São Paulo:Roca, 2006.

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