Foi Marion
Simms, em 1862, quem primeiro designou e descreveu o vaginismo como um reflexo
de defesa da musculatura do solo pélvico. Nele há um espasmo dos músculos
perineais, que impedem total ou parcialmente a penetração da vagina,
impossibilitando ou dificultando o coito e o exame ginecológico.
No vaginismo
grave, além do espasmo da musculatura perivaginal, a paciente contrai os
músculos adutores da coxa diante da simples aproximação do parceiro, a ponto de
os joelhos ficarem como que colados um contra o outro. Não é de admirar que
grande parte dos casamentos não consumados seja de mulheres vagínicas. No
entanto, o quadro nem sempre é tão dramático, podendo apresentar diferentes
intensidades. Nas formas mais simples, é possível penetração vaginal, ainda que
incompleta.
O comum é que
as pacientes vagínicas não tenham problemas de desejo nem tampouco com a
excitação e o orgasmo. São pessoas perfeitamente responsivas, com boa
lubrificação vaginal e que podem considerar a atividade sexual não coital aprazível
e até muito gratificante.
O quadro é
essencialmente funcional, o que o diferencia daqueles em que há lesões ou
anomalias orgânicas que impossibilitam a penetração.
Classificação
O vaginismo
pode ser primário ou secundário. Conceituamos como primários os casos em que a
dificuldade sexual se manifesta desde a primeira tentativa de penetração, daí
por que esses pacientes costumam ser portadoras de hímens íntegros ou
parcialmente rotos.
Vaginismo
secundário é aquele que aparece após um período da vida sexual ativa,
determinado por uma motivação suficientemente
forte para estabelecer e condicionar a resposta espasmódica.
Etiologia
Walthard, em
1909, ao publicar em Munique um artigo intitulado “A etiologia psicogênica e a
psicoterapia do vaginismo”, chamou a atenção pela primeira vez para a
causalidade psicológica dessa disfunção.
O medo é a
causa imediata do vaginismo, condicionando os músculos a uma reação de contratura.
Inúmeras são as condições que podem determinar o medo da penetração. Ele pode decorrer
de tentativas coitais dolorosas e repetidas, na vigência de algum processo
orgânico pélvico. Nesses casos, embora o espasmo tenha sido determinado
inicialmente como uma reação de defesa ao distúrbio local, a origem
psicossomática do quadro se tipifica quando permanece a contratura, mesmo após
a remoção das primitivas causas físicas detonadoras.
Com maior
freqüência, o vaginismo primário tem sua origem em causas psicossociológicas. É
comum encontrar na história dessas vagínicas um tipo de educação restritiva ou
punitiva, em que o controle sobre os aspectos sexuais tenha sido tão intenso a
ponto de desenvolver uma verdadeira repulsa pela atividade sexual. Em outras
mulheres, há vivências sexuais destruidoras, experiências passadas de situações
traumáticas, tentativas de estupro, visualização de cenas de sadismo, relatos
distorcidos sobre a vida sexual.
Dessa mesma
forma, o vaginismo secundário pode resultar de algum processo orgânico causador
de dispareunia. Passando a ser a relação sexual uma situação aversiva, a
paciente pode ter adquirido o hábito de esquiva que persistiu mesmo após a
integral cura do processo orgânico. Quando a mulher é posta em uma situação da
qual não é capaz de se esquivar, o medo da dor pode se apresentar de forma tão
intensa que se exterioriza fisicamente por violenta contratura, acompanhada de
fenômeno doloroso adicional que retroalimenta a cadeia que leva ao reflexo
contrátil. Receio de gravidez, fobia de câncer, exames ginecológicos
traumáticos e partos difíceis são outras causas que podem determinar o medo e
produzir vaginismo.
As mulheres
vagínicas, autoritárias e agressivas dificilmente se submetem ao parceiro masculino.
Não se deixam conquistar pelo amor, o que as faria sentir-se inferiorizadas. A
relação entre os sexos pode ser sua real característica para se converter numa
luta pelo poder conjugal. Elas costumam sagrar-se vitoriosas, pois quase sempre
escolhem homens fracos, gentis e resignados como companheiro, os quais podem
ser manipulados com facilidade. Com certa freqüência esses homens são
portadores de disfunções eréteis primárias; outras vezes, o comportamento
tirânico da mulher termina por castrá-lo psiquicamente, estabelecendo nele uma
disfunção erétil reativa.
É interessante
constatar que também há padrões de personalidade nos parceiros das vagínicas.
Em geral, são indivíduos tranqüilos, reflexivos, tímidos, que elas se apressam
em classificar como “muito compreensivos”, “delicados”, “inibidos” ou
“inexperientes”. Essas rubricas muitas vezes escondem pessoas carentes de
assertividade, personalidade passivas e dependentes, quando não servem de
máscaras sob as quais se dissimulam disfunções eréteis ou quadros graves de
ejaculação precoce.
Diagnóstico
O diagnóstico
de vaginismo só deve ser feito por exame ginecológico que, além de evidenciar a
disfunção, é capaz de precisar a intensidade do processo.
É importante
levantar a história da dificuldade, procurando identificar as variáveis
cognitivas e emocionais associadas, bem como caracterizar os medos e as
fantasias. Como é freqüente haver disfunção sexual associada, é importante
pesquisar os problemas relacionados ao homem.
Com efeito,
uma disfunção ejaculatória grave ou um problema de ereção pode impedir a
consumação do ato, e a mulher, por inexperiência ou ignorância, julgar-se
responsável pelo problema. Essas intojeções são mais freqüentes do que se
pensa.
Vale
esclarecer, entretanto, que o vaginismo descoberto acidentalmente no curso de
um exame ginecológico nem sempre deve ser tratado. A disfunção que exige terapia
é aquela por que o par está em conflito, ou quando a paciente não tem parceiro
certo. Se há um binômio disfuncional adequado, a harmonia pode ser tão perfeita
e as gratificações sexuais sem penetração serem tão intensas que o tratamento
isolado de um dos parceiros pode promover a inadequação sexual do par.
Também tem
sido discutido se o quadro disfuncional masculino pode ou não ser desencadeado
pelo comportamento vagínico da mulher. Acreditamos que, embora isso seja
possível, na maioria das vezes a disfunção já existia. De qualquer forma, o
exame do homem é um dos passos imprescindíveis do diagnóstico e da terapia do
vaginismo, que busca como finalidade precípua não a simples eliminação de
processos disfuncionais, mas a adequação intra e interpessoal.
Fonte:
Cavalcanti, R. Cavalcanti, M.
Tratamento Clínico das inadequações sexuais. 3.ed. São Paulo:Roca, 2006.
p.264-265.