Desenvolvimento Sexual Psicológico
Constituída a base anatômica do sexo, desencadeia-se a definição sexual, do ponto de vista psicológico, isto é, a identidade de gênero, senso que o indivíduo tem de sua masculinidade ou feminilidade (KAPLAN & SADOCK, 1990).
Essa identidade forma-se a partir das características anatômicas do indivíduo e das expectativas familiares e sociais. Esta é a matriz somático-familiar, na qual se inicia o processo de diferenciação e a definição sexual.
A influência cultural manifesta-se por intermédio das expectativas familiares em relação à orientação sexual da criança. Tais expectativas se fazem presentes durante toda a infância, contribuindo para o desenvolvimento do papel sexual (de homem ou de mulher).
Os padrões masculino e feminino. Adquiridos de forma natural e implícita em vários níveis sociais, sofrem tanto maior influência externa quanto mais o indivíduo cresce. Além disso, fatores antropológicos acham-se ligados, de forma abrangente, ao modo como a sexualidade é vivenciada, em diferentes culturas (GREGERSEN, 1983).
Há variações culturais de incidência bem como de grau de sanção social imposta à homossexualidade. Padrões do papel de gênero (o que é considerado como comportamento “masculino” ou “feminino”) também variam entre diferentes culturas, da mesma forma que padrões constitucionais, de físico ou temperamento, podem vir a ser associados a conceitos variáveis de papel de gênero em culturas diversas.
Essas tendências, socialmente determinadas, são relevantes em muitas culturas, no sentido de conduzir os indivíduos a papéis de gênero invertidos (MARMOR, 1973). Atuam nem sempre de modo explícito, mas por meio de interações sutis, não verbais, das quais os próprios agentes podem estar inconscientes.
É a soma desses valores internalizados, associados ao desenvolvimento psicológico do indivíduo, que lhe confere a identidade de gênero. E é a partir das marcas vivenciais da primeira infância que se estabelece o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Tomando o pensamento freudiano como parâmetro, podemos afirmar que a sexualidade ultrapassa a pura genitalidade e está relacionada também a um alívio de tensão. Quando nascemos, as nossas fontes de satisfação sexual não são genitais e não há diferenciação psicológica da sexualidade.
Na infância, há manifestações de atividade sexual cuja evolução estabelece um padrão de investimentos e comportamentos no adulto. Esta evolução da sexualidade ocorre, paralelamente, em duas vias: uma pessoal (com base fisiológica na elaboração do prazer) e outra interacional (o estabelecimento de uma relação com um objeto, na busca do prazer). O amor envolve o ato sexual, mas transcende significado (ABDO;SAADEH, 1995).
Em linhas gerais, para FREUD, conforme DIERKENS (1972), o desenvolvimento da sexualidade implica numa evolução fisiológica, determinada por zonas erógenas (zonas produtoras de prazer) e pelo estabelecimento de uma interação como o objeto de interesse sexual. Esta evolução se dá por fases ou etapas: pré genital e genital.
A primeira fase (pré genital) é a oral e transcorre do nascimento até cerca de dois anos de idade.
A fase anal, que se inicia com o nascimento, atinge maior importância à época do desmame (por volta dos 18-24 anos), estendendo-se até os três anos de idade.
A terceira fase do desenvolvimento pré genital da sexualidade é a fálica (dos três aos cinco anos de idade). Ao final desta, a criança encontra-se, em tese, apta a resolver, primariamente, seu complexo de Édipo.
O complexo de Édipo não é só o amor do menino pela mãe e o seu ciúme e inveja do pai; ou ao amor da menina pelo pai e o seu ciúme e inveja da mãe. Para ser amado pelo pai, o menino tenta ser como a mãe (passando a adotar atitudes femininas); a menina, objetivando o amor da mãe, adota atitudes masculinas. Não tendo sucesso, substitui ela seu objeto de amor, passando a desejar o pai.
Então, resoluções inadequadas do Édipo podem se originar de identificações heterólogas, com introjeção do genitor do sexo oposto e aversão ao genitor do sexo oposto e aversão ao genitor do mesmo sexo, o que seria a base da homossexualidade (NOBRE DE MELO, 1980).
Após as fases pré genitais, a criança entra num período de latência, no qual a sexualidade, embora presente, não se expressa por novas manifestações (dos 6 aos 10 anos, em média).
Quando a puberdade (com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários), ocorre a fase genital propriamente dita, com desenvolvimento voltado à eleição do objeto e à forma de relação a ser estabelecida com ele.
Formada a base psíquica na infância, é na adolescência que eclodem definições e dificuldades do desenvolvimento, a partir das quais, a identidade sexual, a elaboração subjetiva do prazer e a busca do objeto (parceiro) dão-se.
FREUD (1973a) expressou, já em 1905, que como conseqüência da intensidade de alguns componentes ou de satisfações prematuras, se produzem, efetivamente, fixações da libido (energia dos instintos sexuais) em determinados pontos do desenvolvimento. Até esses pontos retorna a libido, facilmente, quando tem efeito uma repressão posterior (regressão).
Estabelecida a identidade de gênero, a partir das atitudes parentais e culturais, associadas ao desenvolvimento sexual somático, cabe ao indivíduo o aprendizado sobre o comportamento característico do seu sexo ou do sexo oposto, ao que chamamos papel de gênero (KAPLAN & SADOCK, 1990). Este pode ou não ser coerente com a identidade de gênero.
Comportamento e Práticas Homossexuais
Os homossexuais não constituem uma população homogênea, quanto à personalidade e ao comportamento. Preconceitos científicos e sociais, no entanto, conduzem a uma concepção estereotipada da homossexualidade (KOLODNY e cols.,1982).
Além disso, não há características físicas comuns a todos, embora freqüentemente, homens delicados e mulheres agressivas sejam identificados como homossexuais, o que constitui numa generalização imprecisa (POMEROY, 1968).
A tendência de uma adolescente à homossexualidade reflete-se mais na sua capacidade de sentir-se atraído por pessoas do sexo oposto do que por sua iniciação sexual com indivíduos do mesmo sexo que o seu (WAGNER, 1980).
Designa-se como homossexual a prática sexual ativa (desempenho do papel masculino), a passiva (desempenho do papel feminino) e na mista (desempenho ora ativo ora passivo), entre pessoas de um mesmo sexo.
Mecanismos Psicodinâmicos da Homossexualidade
Segundo HATTERER (1984), cinco fatores (ou combinações deles) são responsáveis pela incapacidade de realização heterossexual, uma vez que fixam o indivíduo total ou parcialmente na homossexualidade ou o identificam como heterossexual. São estes os fatores:
1)Deficiência ou limitação constitucional, relacionado à imagem que o indivíduo tem do seu desenvolvimento corporal, sexual e de identidade sexual;
2)Antecedentes de relações familiares ou sociais conturbadas. Exemplos: mãe possessiva, sedutora, agressiva, competitiva ou hostil; pai passivo, indiferente ou hostil; pai e mãe ausentes;
3)Exposição a condicionamento homossexuais em períodos decisivos do desenvolvimento sexual e da identidade sexual:
4) Uso de fantasias, sentimentos e atividades homossexuais ao lidar com dificuldades de caráter não erótico ou este uso substitutivo a emoções que o indivíduo não é capaz de expressar;
5)Impedimentos ou distorções na expressão de emoções culturalmente ligadas ao sexo ) dependência, passividade, agressividade, hostilidade).
As principais causas da homossexualidade persistente, para esse autor, estariam associadas a relações conturbadas familiares ou com companheiros, especialmente se ocorrem em períodos críticos do desenvolvimento psicossexual.
Tratamento
Não sendo doença, a homossexualidade não demandaria tratamento.
Porém, os homossexuais procuram, às vezes, o auxílio de um médico, no sentido de se reassegurarem ou mudarem de orientação sexual. Estes representam pequena fração. A maioria não busca nem deseja tratamento.
Disfunções sexuais, tais como ejaculação precoce, disfunção erétil, anorgasmia, podem ocorrer tanto no homo como a heterossexuais masculinos que, neste caso, beneficiam-se de atendimento (medicamentoso e/ou psicoterápico).
Dificuldades familiares e/ou sociais podem ser trabalhadas em psicoterapia.
Entre aqueles que desejam mudar de homo para a heterossexualidade, o acompanhamento é mais bem sucedido se o interessado tem fantasias e/ou contatos heterossexuais esporádicos e prazerosos.
Em contrapartida, MARMOR (1973), há quase três décadas, argumentava que, apesar do homossexual não fazer parte do campo de ação do psiquiatra, apenas por ser homossexual, justifica-se a intervenção psiquiátrica, profilaticamente indicada, para crianças ou adolescentes que não estivessem da fazendo identificações do papel de gênero “apropriadas”. Isto porque a sociedade encarava a homossexualidade como um desvio de conduta.
Abdo CHN. Sexualidade Humana e seus transtornos. 2ª ed rev amp. São Paulo: Lemos Editorial;176-181, 185-186; 2001.
Para um estudo aprofundado:
ABDO, C.H.N. & SADEH,A.- Transtornos da Sexualidade. In: LOUZÃ, M.; ELKIS, H; YANG PANG,W. & MOTTA, T.- Psiquiatria Básica. Porto Alegre, Artes Médicas, p.229-319, 1985.
DIERKENS, J.-Freud: antologia Comentada. Barcelona, Oikostau S.A., 1972.
FREUD, S.- Três Ensayos para uma Teoria Sexual. In FREUS,S. – Obras Completas. 3 ed. Madrid, Nueva Madrid, 1973 a , v.II,p.1172-1273.
GREGERSEN,E. – Práticas Sexuais: A História da Sexualidade Humana. São Paulo, Roca, 1983.
HATTERER, L.J.-Homosexuality. In: CORSINI, RJ.- Encyclopedia of Psychology, New York, wiley, vol.II,1984.
KAPLAN, H. & SADOCK, B.J.- Compêndio de Psiquiatria Dinâmica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1984.
KAPLAN, H. & SADOCK, B.J.- Compêndio de Psiquiatria Dinâmica. Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.
KOLODNY, R.C.; MASTER, W.H. & JOHNSON, V.E.- Manual de Medicina Sexual. São Paulo . Manole, 1992.
LE VAY,S. & HAMER, D.H.- Evidence for a Biological influence in Male Homossexuality. Scientific American, 270(5):20-25, 1994.
MARMOR,J. A Inversão Sexual – As múltiplas Raízes da Homossexualidade. Rio de Janeiro , Imago, 1973.
MARMOR,J.-The Role of Instinct in Human Behavior. Psychiat, 5:509-516,1942.
NOBRE de MELO, A.L.-Psiquiatria.3ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1981, vol I.
POMEROY,W.B.-Homosexuality, Transvestism and Transexualism, In: VICEBT, C.E.;SPRINGFIELD , C. & Thomas, C.-Human Sexuality in Medical Education and Pratica.New York, Gelacorte, 1986.
WAGNER,C;A.-Sexuality of American Adolescents. Adolescence, 15(59):567-577, 1980.