Assim como na nossa cultura acredita-se que só é possível estar bem vivendo uma relação amorosa, o casamento por amor passou a ser sinônimo de felicidade e, por conseguinte, uma meta a ser alcançada por todos.
A idéia de felicidade conjugal depende da expectativa que se tem de casamento. Algumas décadas atrás, uma mulher se considerava feliz no casamento se seu marido fosse bom chefe de família, não deixasse faltar nada em casa e fizesse todos se sentirem protegidos. Para o homem, a boa esposa seria aquela que cuidasse bem de casa e dos filhos, não deixasse nunca faltar a camisa bem lavada e passada e, mais que tudo, mantivesse sua sexualidade contida. Um casal perfeito: uma mulher respeitável e um homem provedor.
Hoje os anseios são bem diferentes e as expectativas em relação ao casamento tornaram-se muito mais difíceis, até mesmo impossíveis de ser satisfeitas. As pessoas escolhem seus parceiros por amor e esperam que esse amor e o desejo sexual que o acompanha sejam recíprocos e para a vida toda. Aí, deparamos com uma questão crucial. O amor até que a morte nos separe se torna cada vez mais inviável.
A entrada do amor romântico faz do casamento o meio para as pessoas realizarem suas necessidades afetivas. Idealiza-se o par amoroso e, para manter essa idealização, não se medem esforços, o que acaba sobrecarregando a relação entre os cônjuges. Imagina-se que no casamento se alcançará uma complementação total, que as duas pessoas se transformarão numa só, que nada mais irá lhes faltar e, para isso, ficam implícito que cada um espera ter todas as suas necessidades pessoais satisfeitas pelo outro.
Numa relação estável, é comum as pessoas se afastarem dos amigos e abrirem mão de atividades que anteriormente proporcionavam amigos e abrirem mão das atividades que anteriormente proporcionavam grande prazer. Um deve ser a única fonte de interesse do outro e, portanto, tudo o mais é dispensável. Esse comportamento é aceito socialmente como natural, tanto que, num grupo de amigos, quando a ausência de uma membro é sentida, ouvimos explicações do tipo: “É , ele sumiu. Depois que casou nunca mais deu notícias.”
Esse treinamento para se acreditar na complementação total com o outro geralmente se inicia antes do casamento.
O ideal do par amoroso que está sempre junto, que se completa em tudo, em que um é a única fonte de gratificação do outro, atenua por um tempo o temor desamparo. Mas, para manter essa situação, são feitas muitas concessões e a conseqüência inevitável é um acúmulo de frustrações que torna a relação no casamento sufocante.
E. Lê Garrec sublinha que o casal aniquila a pessoa humana, numa confusão alienante: “O ‘eu’ desaparece, absorvido, afogado no ‘nós’. Porque o casal não se permite essa parte de solidão indispensável à existência do indivíduo.
Na busca de estabilidade e segurança afetiva qualquer preço é pago para evitar tensões que decorrem de uma vida autônoma. Assim, o desejo de conviver com intimidade se confunde com a ânsia de manter a estabilidade, levando as pessoas a suportar o insuportável. Tentando justificar sacrifícios ou frustrações pessoais, cria-se um mundo fantástico em que defesas como a negação e a racionalização são acionadas para que continue a viver uma relação idealizada, distante do que se ocorre na vida real.
Quanto mais concessões são feitas para se manter o casamento, mais hostilidade vai surgindo em relação ao outro. Hostilidade, na maioria das vezes, inconsciente, que vai minando gradativamente a relação, até torná-la insustentável. “Assim, é justamente das pessoas mais tolerantes e dóceis que podemos esperar as ‘viradas de mesa’ mais intempestivas e radicais.
O esforço para corresponder às expectativas depositadas no casamento pode superar o limite da capacidade de conceder e fazer optar pelo fim da relação. Em outros casos, o tédio e a monotonia da vida a dois, em função da dependência emocional que se tem do outro, podem levara uma atitude de resignação e acomodação.
Fonte:
Lins, R. N. A Cama na Varanda: arejando novas idéias a respeito de amor e sexo: novas tendências.ed rev e ampliada.Rio de Janeiro:BestSeller, 2007:175-180.